Morte e transfiguração <br>do cardeal Bento Ratzinger
De certo modo inesperada, a aclamação de Bento XVI foi rápida e consensual entre os cardeais do Conclave. Mas provocou danos colaterais de extensão ainda por definir e que, como tudo indica, vão ter consequências negativas nos níveis da igreja que se situam abaixo dos colégios episcopais.
A nota que mais se destacou no processo posterior ao conclave, revela certos aspectos caricatos. Vários e não poucos comentadores religiosos do nosso mercado foram criando junto da opinião pública, penosamente, ao longo do tempo, uma reputação de isenção e de equilíbrio muito proveitosa, de católicos com mentes arejadas e pós-modernas. Nesse sentido, para acumularem capital de prestígio, não pouparam críticas às alas ultraconservadoras da igreja, lideradas pelo cardeal Ratzinger. Lembre-se, só a título de exemplo, os tratos que o pobre sofreu quando se falou nas intrigas contra a Teologia da Libertação, na decapitação das conferências episcopais ou em acidentes de percurso, nomeadamente nas perseguições movidas aos irmãos Boff e no caso da destituição do bispo de Evreux, monsenhor Gaillot. Por via dos referidos comentadores houve a revelação de outros casos condenáveis, quase sempre protaganizados por Ratzinger, que serviram na altura para enriquecerem o currículo desses críticos isentos e progressistas.
Só que agora, quando mal se esperava, desaba a notícia da entronização de Ratzinger. Então, alarmados com a incorrecção política das críticas que cada um deles a seu tempo assinou, os analistas pensaram numa forma expedita de se saírem bem de tão delicada situação. Foram-se às colunas da mesma imprensa onde tinham publicado os textos demolidores ao cardeal e lançaram o tema de um novo conto do «faz-de-conta»: logo que foi eleito o papa Bento XVI, o cardeal Joseph Ratzinger morreu de morte natural e reincarnou no Sumo Sacerdote, nascendo de novo. Passado é passado. Portanto, que não se fale mais no velho cardeal-inquisidor. Seria insultar os mortos e a Igreja!
Trata-se, evidentemente, de uma nova modalidade de trapezismo sem rede. Apaga-se da história a memória do falecido guardião da Doutrina da Fé, descrito como frio, calculista, implacável, sombra negra de João Paulo II, teólogo fundamentalista, escolástico medieval, protector dos ricos e aliado dos poderosos, etc., etc., e essa imagem diabólica transfigura-se, como por milagre, para dar lugar a um desconhecido Ratzinger, o bom papa Bento XVI, defensor dos pobres, homem de diálogo, teórico da Teologia da Libertação, benévolo amigo das outras religiões, tímido e afável, militante da paz e da justiça social, «o bom conservador», como afirmou Bagão Félix.
Acredita-se que a Igreja não irá longe com estes «truques». Há aí um insulto à inteligência de cada um de nós . E um completo desprezo pela ética cristã.
As consequências mais profundas desta transição no Vaticano só pouco a pouco serão conhecidas. Mas não decorrerá muito tempo até que se comece a perceber que rumos tomará a partir de agora a igreja católica. Nota-se, também, que a ascensão de Ratzinger causou perplexidade e chocou largos sectores do pensamento católico. Alguns, falam em «papa de transição», mas não esclarecem em que sentido a igreja transita. Há, igualmente, católicos empenhados na acção social que não vêem no novo papa um companheiro de estrada. Muitos, ainda, não percebem como poderá um teólogo conservador promover a aproximação entre as igrejas, influenciar os ricos no sentido da renúncia ou respeitar a «opção pelos pobres» não esquecendo a luta por uma mais justa repartição da riqueza. Este vasto leque de dúvidas a respeito da Igreja de Bento XVI tem vindo a ser expresso não só por crentes de base mas, igualmente, por vários teólogos e por alguns bispos.
O maior peso da opinião vai no sentido de que o imenso poder atribuído ao cardeal Ratzinger (não esqueçamos que, canonicamente, junta à qualidade de Sumo Pontífice a Prelatura Pessoal do Opus Dei) acentuará as tensões internas presentes no mundo católico e endurecerá as relações igreja/mundo.
É praticamente inevitável que, a partir de agora, não assistamos ao recrudescimento da luta das mulheres católicas pela equiparação de direitos eclesiais, à subida de tom dos anátemas lançados pela hierarquia sobre os problemas da procriação ou da interrupção voluntária da gravidez, à tentativa de imposição hegemónica do clero na área social e assistencial, na saúde, na educação, na comunicação social, etc., etc. Também nada poderá evitar o próximo embate com as forças confessionais, já mobilizadas nesse sentido, que procurarão, sob a capa de uma Cruzada da Nova Evangelização da Europa, criar condições para o retorno à era dos Estados Teocráticos.
Os alemães chamam a Ratzinger «Cardeal Panzer» e ligam-no à imagem do que foram as divisões blindadas nazis. Eles lá sabem por quê.
A nota que mais se destacou no processo posterior ao conclave, revela certos aspectos caricatos. Vários e não poucos comentadores religiosos do nosso mercado foram criando junto da opinião pública, penosamente, ao longo do tempo, uma reputação de isenção e de equilíbrio muito proveitosa, de católicos com mentes arejadas e pós-modernas. Nesse sentido, para acumularem capital de prestígio, não pouparam críticas às alas ultraconservadoras da igreja, lideradas pelo cardeal Ratzinger. Lembre-se, só a título de exemplo, os tratos que o pobre sofreu quando se falou nas intrigas contra a Teologia da Libertação, na decapitação das conferências episcopais ou em acidentes de percurso, nomeadamente nas perseguições movidas aos irmãos Boff e no caso da destituição do bispo de Evreux, monsenhor Gaillot. Por via dos referidos comentadores houve a revelação de outros casos condenáveis, quase sempre protaganizados por Ratzinger, que serviram na altura para enriquecerem o currículo desses críticos isentos e progressistas.
Só que agora, quando mal se esperava, desaba a notícia da entronização de Ratzinger. Então, alarmados com a incorrecção política das críticas que cada um deles a seu tempo assinou, os analistas pensaram numa forma expedita de se saírem bem de tão delicada situação. Foram-se às colunas da mesma imprensa onde tinham publicado os textos demolidores ao cardeal e lançaram o tema de um novo conto do «faz-de-conta»: logo que foi eleito o papa Bento XVI, o cardeal Joseph Ratzinger morreu de morte natural e reincarnou no Sumo Sacerdote, nascendo de novo. Passado é passado. Portanto, que não se fale mais no velho cardeal-inquisidor. Seria insultar os mortos e a Igreja!
Trata-se, evidentemente, de uma nova modalidade de trapezismo sem rede. Apaga-se da história a memória do falecido guardião da Doutrina da Fé, descrito como frio, calculista, implacável, sombra negra de João Paulo II, teólogo fundamentalista, escolástico medieval, protector dos ricos e aliado dos poderosos, etc., etc., e essa imagem diabólica transfigura-se, como por milagre, para dar lugar a um desconhecido Ratzinger, o bom papa Bento XVI, defensor dos pobres, homem de diálogo, teórico da Teologia da Libertação, benévolo amigo das outras religiões, tímido e afável, militante da paz e da justiça social, «o bom conservador», como afirmou Bagão Félix.
Acredita-se que a Igreja não irá longe com estes «truques». Há aí um insulto à inteligência de cada um de nós . E um completo desprezo pela ética cristã.
As consequências mais profundas desta transição no Vaticano só pouco a pouco serão conhecidas. Mas não decorrerá muito tempo até que se comece a perceber que rumos tomará a partir de agora a igreja católica. Nota-se, também, que a ascensão de Ratzinger causou perplexidade e chocou largos sectores do pensamento católico. Alguns, falam em «papa de transição», mas não esclarecem em que sentido a igreja transita. Há, igualmente, católicos empenhados na acção social que não vêem no novo papa um companheiro de estrada. Muitos, ainda, não percebem como poderá um teólogo conservador promover a aproximação entre as igrejas, influenciar os ricos no sentido da renúncia ou respeitar a «opção pelos pobres» não esquecendo a luta por uma mais justa repartição da riqueza. Este vasto leque de dúvidas a respeito da Igreja de Bento XVI tem vindo a ser expresso não só por crentes de base mas, igualmente, por vários teólogos e por alguns bispos.
O maior peso da opinião vai no sentido de que o imenso poder atribuído ao cardeal Ratzinger (não esqueçamos que, canonicamente, junta à qualidade de Sumo Pontífice a Prelatura Pessoal do Opus Dei) acentuará as tensões internas presentes no mundo católico e endurecerá as relações igreja/mundo.
É praticamente inevitável que, a partir de agora, não assistamos ao recrudescimento da luta das mulheres católicas pela equiparação de direitos eclesiais, à subida de tom dos anátemas lançados pela hierarquia sobre os problemas da procriação ou da interrupção voluntária da gravidez, à tentativa de imposição hegemónica do clero na área social e assistencial, na saúde, na educação, na comunicação social, etc., etc. Também nada poderá evitar o próximo embate com as forças confessionais, já mobilizadas nesse sentido, que procurarão, sob a capa de uma Cruzada da Nova Evangelização da Europa, criar condições para o retorno à era dos Estados Teocráticos.
Os alemães chamam a Ratzinger «Cardeal Panzer» e ligam-no à imagem do que foram as divisões blindadas nazis. Eles lá sabem por quê.